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Quarta-feira, 17 de Setembro de 2025

Servidor do INSS desbloqueou 20 mil benefícios para empréstimos em 39 dias, e órgão investiga

Os dados constam em uma nota técnica sigilosa elaborada pela CGMob (Coordenação-Geral de Monitoramento e Cobrança Administrativa de Benefícios) a partir de mapeamento realizado entre janeiro e março de 2025. A reportagem teve acesso a trechos do documento, enviado ao novo comando do órgão em 8 de maio

O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) investiga o possível envolvimento de cinco servidores em um "mercado paralelo" de desbloqueios irregulares de benefícios para empréstimos consignados. Um único funcionário da autarquia foi responsável por liberar 20,4 mil benefícios para novos financiamentos em um intervalo de apenas 39 dias.

Os dados constam em uma nota técnica sigilosa elaborada pela CGMob (Coordenação-Geral de Monitoramento e Cobrança Administrativa de Benefícios) a partir de mapeamento realizado entre janeiro e março de 2025. A reportagem teve acesso a trechos do documento, enviado ao novo comando do órgão em 8 de maio, uma semana após a nomeação de Gilberto Waller Jr. como presidente.

A partir das informações, a corregedoria do INSS instaurou um processo administrativo disciplinar. Os dados também foram encaminhados à Polícia Federal. Em nota, o instituto informou que a apuração abrange inicialmente cinco funcionários, cujas identidades são mantidas sob sigilo. "A investigação segue em andamento para apurar eventuais responsabilidades de outros servidores", disse.

A expressão "mercado paralelo" foi usada pelos próprios técnicos que elaboraram o relatório. Segundo o documento, as ações rastreadas estavam diretamente ligadas a empréstimos em andamento, num indicativo de que o desbloqueio é um "mecanismo facilitador" para essas transações.

O desbloqueio de benefícios é a chave que abre a porta da contratação de empréstimos com desconto na folha dos beneficiários do INSS. Isso porque as regras do órgão preveem que o benefício recém-concedido nasce bloqueado e fica nessa condição por 90 dias. Depois disso, é possível solicitar o desbloqueio.

"A forma como [o desbloqueio] está sendo executado viola a segurança do processo e dos próprios beneficiários, evidenciando elevados índices de desconformidade e favorecendo um mercado paralelo de desbloqueios irregulares, com evidências que apontam até mesmo para a possível participação de agentes públicos", diz a nota.

Os técnicos ainda avaliaram amostras de contratos e identificaram a participação de correspondentes bancários no processo de tomada dos empréstimos. Também conhecidos como "pastinhas", eles recebem uma comissão pelas contratações.

A atuação de parte desses profissionais tem sido alvo de apurações no INSS. A CGMob, porém, não conseguiu atribuir relação direta a um correspondente específico durante o monitoramento.

Para apontar as irregularidades, os técnicos analisaram 342,9 mil desbloqueios feitos por servidores credenciados entre janeiro e março de 2025. Para 45% deles, não havia registro formal de requerimento do beneficiário para liberar a consignação.

No caso do servidor que realizou, sozinho, 20,4 mil desbloqueios em 39 dias, os técnicos notaram que houve um pico de 1.254 liberações em um único dia. Considerando uma jornada de oito horas, é como se ele tivesse destravado 2,6 benefícios por minuto.

Outro ponto que chamou a atenção dos técnicos da CGMob foi o espalhamento dos desbloqueios feitos por esse funcionário por todas as 27 unidades da federação. Diante desse achado, pessoas a par da apuração afirmam que ainda não há conclusão sobre se ele foi cúmplice ou vítima do esquema -uma das hipóteses em investigação é o roubo de senhas e uso de robôs.

Um segundo servidor efetuou o desbloqueio de 15,9 mil benefícios num intervalo de 53 dias, o que corresponde a uma média de 300 liberações diárias. O pico registrado nessa credencial foi de 999 desbloqueios em um único dia.

O mapeamento também identificou 2.336 ações de desbloqueio processadas em 13 finais de semana. Houve ainda 438 liberações na terça-feira de Carnaval. Em todas essas datas, não há expediente de trabalho no INSS.

Em entrevista à Folha em junho deste ano, o presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção, já havia citado as apurações sobre o possível envolvimento de servidores no desbloqueio de benefícios. Segundo ele, cerca de 170 funcionários do INSS estavam credenciados para esse tipo de ação no sistema, um grupo bastante reduzido perante o total de trabalhadores do instituto (cerca de 19 mil).

Os técnicos também analisaram 173,3 mil desbloqueios feitos pelo portal de atendimento do INSS. Nesse caso, o monitoramento apontou que servidores e estagiários promoveram a abertura indiscriminada de tarefas, sem a efetiva prestação de atendimento ao cidadão, num indício de fragilidades operacionais.

A equipe também detectou "inconsistências procedimentais" entre outros 782,1 mil pedidos feitos pelo Meu INSS, com credencial e senha do cidadão.

A CGMob frisou que as irregularidades no desbloqueio não comprometem a concessão do benefício, nem implicam diretamente em pagamentos indevidos pelo órgão, mas indicam vulnerabilidades que expõem o INSS, pois "os sistemas utilizados são os mesmos que poderiam permitir reativações [de benefícios] ou emissões indevidas de pagamentos".

"A possibilidade de envolvimento de agentes públicos em tais ilícitos é especialmente preocupante, representando não apenas uma ameaça à integridade da instituição, mas também um prejuízo à sua imagem e à confiança do público. A ausência de mecanismos eficazes de controle permite que esses agentes permaneçam nos quadros do INSS, possibilitando a escalada para condutas ilícitas de maior gravidade e impacto", alerta o documento.

A área técnica também fez questão de ressaltar que o tema já havia sido alvo de alertas anteriores. "Ressalta-se, contudo, que as atividades aqui tratadas como suspeitas não são inéditas, sendo que o tema já foi objeto de análise em relatório anteriormente elaborado por esta Coordenação", afirma a nota, citando um número de processo de 2022.

"Considerando que a CGMOB já vinha conduzindo análises sobre essa matéria, e tendo em vista o atual contexto, marcado pela deflagração da 'Operação Sem Desconto' pela Polícia Federal e pelas recentes mudanças na alta gestão, incluindo a substituição do Presidente e do Diretor de Benefícios, torna-se oportuno reiterar e formalizar a comunicação à nova gestão sobre o tema."

Procurado, o INSS disse que, após a emissão da nota técnica, adotou medidas preventivas e corretivas para fortalecer a segurança, entre elas o bloqueio de todos os benefícios para novos descontos de empréstimos consignados e a exigência de biometria para realizar o desbloqueio.

Nesta terça-feira (17), o instituto encaminhou a nota técnica à Coordenação-Geral de Inteligência do MPS (Ministério da Previdência Social), que até então não havia recebido o documento.

Procurado, o MPS disse ter como prioridade o combate a fraudes e irregularidades em desbloqueios não autorizados e informou que a Força-Tarefa Previdenciária intensificou nos últimos anos as operações e o combate a esse tipo de problema. Segundo a pasta, foram seis operações em 2023, dez no ano passado e 13 em 2025.

"Esse volume representa um aumento de aproximadamente 164% em relação ao período de 2019 a 2022, quando foram realizadas 11 ações", disse.

Fonte: Notícias ao Minuto

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